O cristianismo, como mera religião, nunca conseguiu interpretar o que realmente Jesus ensinou.
DESDE QUANDO ME CONVERTI, há 42 anos, nunca vi um pastor, um padre ou qualquer líder cristão pregando o que Jesus realmente ensinou. A igreja, que nos dias apostólicos era conhecida apenas como “o caminho” (Atos 9.2; 19.9; 24.22; João 14.6), com o passar dos tempos e ao longo da história, afundou-se em doutrinas religiosas e denominacionais, ignorando totalmente o Sermão da Montanha como o verdadeiro manual de conduta espiritual e prática no serviço cristão. Aliás, no Sermão da Montanha, Jesus ensinou princípios e não doutrinas. Ele sabia que doutrina, dada a sua particularidade, denominacionalidade, falibilidade e temporalidade, iria criar muitas barreiras culturais e outras questões de natureza tradicionalista. As denominações criam suas próprias doutrinas, e ficam longe dos princípios da justiça de Deus.
Na sequência da história, a gente pode imaginar que uma certa solução para o problema da dicotomia “ser-fazer”, “teoria-prática”, poderia ser encontrada na maneira como o antigo povo hebreu pensava. Isto porque costumamos ler Jesus, Paulo e, enfim, o Novo Testamento, sob uma ótica grega. Como os estoicos, só olhamos para os bons costumes e, nisso, criamos nossas doutrinas, brigamos por elas e, por vezes, somos capazes até de morrer por elas. Como se elas se tornassem um “deus” para nós. E aí, por esse prisma, nos tornamos dualistas e separamos as coisas que, no pensamento judaico, são inseparáveis. Então, confundimos pensamentos meramente humanos com palavra de Deus. Palavras de homens são “coisa” religiosa e terrena. Enquanto que a Palavra de Deus é a Verdade infalível e eterna.
Do meu ponto de vista, é acidental a ligação entre a igreja estabelecida por princípios e a igreja regida por doutrinas. A igreja estabelecida por princípios inclui e/ou é includente (João 17.21-23). Ao passo que a igreja regida por doutrinas é excludente e, portanto, é uma igreja dividida.
Jesus, no entanto, nunca pregou exclusão. Jesus nunca pregou divisão. Pelo contrário, Ele orou a Deus Pai por uma unidade perfeita dos seus seguidores, tanto os da sua época quanto os que viriam a ser alcançados depois (João 17.21-23). Esta é uma ligação que existe na vida estabelecida por Jesus e que, por certo, define uma certa quantidade de nosso conhecimento sobre a natureza da fé em Deus que dá a possibilidade de escolher, no vasto mar de fenômenos, os mais essenciais. “Pai, que todos sejam um, como eu e tu somos um”, disse Jesus. Com isto, o Senhor está dizendo que a igreja dEle é uma só, um só povo, corpo socioespiritual. Sem religião. Sem cultura religiosa. E sem tradição religiosa. Porque tradição religiosa invalida a palavra de Deus, conforme Jesus disse em Mateus 23.
Não menos real é a ligação entre a coluna do serviço cristão — realizado pela fé em Cristo e pelo chamado nEle — e a coluna da sociedade. Porque o serviço cristão, isto é, as formas de sua organização ao final das contas, determina também as formas das estruturas sociais em que a cristandade está inserida.
Poderíamos tornar as colunas em uma ligação diferente? Não. Não se pode porque, por ligações diferentes, seriam feitas não entre o que é fundamental, mas com fatores secundários que não simplificariam, mas complicariam o nosso entendimento da realidade. Na verdade, o cristianismo, como religião, nada mais é senão um fato social complicado. Quanto mais os complexos ampliam os horizontes da fé revelando o real, as suas ligações básicas, mais os complexos, criando ligações artificiais, dificultam o entendimento da realidade para a sociedade.
Eis aí por que é importante que na pregação do evangelho de Jesus não deve existir um complexo geral, mas é importante que exista um complexo definido, ou seja, que possa realçar, da melhor forma possível, a ligação entre os fenômenos. Disso também decorre o papel dos complexos nas diferentes etapas do desenvolvimento da igreja na qualidade de corpo de Cristo. A igreja, ao longo da história cristã, quebrou o princípio da unidade e comunhão e perdeu, no contexto social, o princípio do poder e da autoridade na sua caminhada social e no seu fazer perante o mundo que Deus amou.
Quando eu digo que o cristianismo nunca conheceu Jesus, o Cristo, é porque, no seu percurso na história, ele deu à sociedade uma aproximação básica em relação ao fenômeno. E aí ficou esclarecido, para ele, o mais essencial na ligação dos grupos principais de fenômenos. Eu coloco fenômeno, aqui, como tudo o que está sujeito à natureza dos nossos sentidos ou que nos impressiona de um modo qualquer, física, espiritual e moralmente. Nos tempos modernos, a tarefa do cristianismo é dar à sociedade a possibilidade de orientação na realidade viva. Mas aqui a aproximação já deve ser mais profunda. Ela deve repousar no estudo do próprio fenômeno, nas suas leis internas e na sua lógica de desenvolvimento interna.
Somente com base no estudo aprofundado das classes específicas de fenômenos, da análise aprofundada de suas possibilidades futuras, pode-se dar conta plenamente da síntese do fenômeno. O cristianismo nunca conheceu Jesus, o Cristo. Cristo ensinou princípios. O cristianismo prega religiões e suas doutrinas religiosas e denominacionais. E qual a diferença? Princípios são infalíveis, universais e eternos. Doutrinas são falíveis, particulares (denominacionais), temporais e mutáveis. Podem ser alteradas. As religiões e/ou denominações religiosas são fundamentadas em doutrinas e tradições. Jesus é o Caminho, o Verbo (Logos) que se fez carne (sem religião, sem doutrina, sem tradição), e habitou entre nós, morreu e ressuscitou para salvação de todo aquele que nEle crer.
Em Mateus 7.13-14, Jesus fala da porta estreita e da porta larga e espaçosa. Muitos entram pela porta larga, e poucos entram pela porta estreita. O cristianismo é uma porta larga e espaçosa. Ele é o largo caminho das religiões, e são muitos os que entram por ele. Jesus, entretanto, é a porta estreita e são poucos os que acertam entrar por ela. O cristianismo é o universo das religiões. Jesus é o caminho estreito, o Verbo divino, e poucos querem encontrá-lo de verdade.
Isto significa que o verdadeiro evangelho não dá margem para diversidade de sentidos. O caminho para a vida eterna é único e estreito porque segue numa única direção, totalmente diferente das religiões dos homens, que pregam múltiplos caminhos, com a desculpa pecaminosa de que todos eles levam a Deus. O que é um grande engodo.
Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (João 14.6). Quando Ele diz “eu sou ‘o’ caminho”, significa que a porta para a salvação é uma só. E por que o cristianismo tem uma quantidade enorme de denominações? Justamente porque o cristianismo é mera religião, a porta larga e espaçosa com muitos caminhos, muitas denominações que geram uma complexidade absurda (muita confusão) na mente das pessoas. Enquanto isso, a vida eterna só tem uma porta: Jesus Cristo. Os muitos caminhos (religiões) levam à perdição. O único caminho (Jesus Cristo) leva à vida eterna.
Sempre que viajo para pregar em alguma cidade fora do meu domicílio, as pessoas me olham de uma maneira diferente. E algumas acham minhas ideias impactantes e, geralmente, perguntam “por que”. Minha resposta, na maioria das vezes, é no sentido de que não fui chamado para servir particularidades denominacionais mas, sim, para falar à sociedade como cidadão do mundo que Deus amou. E o “amou de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crer não pereça mas tenha a vida eterna” (João 3.16).
Há grande diferença de fenômenos: em exercer o serviço cristão como pastor de igreja, e praticar o evangelho do reino como cidadão do mundo que Deus amou. Eu falo de Jesus à sociedade como cidadão do mundo. Cidadão do mundo que Deus amou e ama. Deus deu o seu Filho ao mundo. E, agora, envia a igreja ao mundo para pregar o evangelho do reino como cidadã do mundo. O evangelho do Reino não é religião. O evangelho do Reino é falar do Verbo que se fez carne (João 1.1-14).
Aprofundando um pouco mais esta questão, digo que entre as habilidades que devem ser dadas aos filhos do Reino, a habilidade principal é o ativismo social revestido de espiritualidade, isto é, poder e autoridade pela capacitação dos agentes do Reino por meio do Espírito Santo. Não falo do ativismo solitário, mas do ativismo coletivo. Falo da igreja como corpo social, que tem o dever de ser agente de transformação na comunidade externa. A comunidade-mundo, isto é, o mundo que Deus amou.
Não vejo a igreja caminhando nesta direção. Pastores e líderes — inclusive aqueles que lideram grandes igrejas, grandes estruturas denominacionais — não entendem que a psicologia do serviço cristão vai ao encontro do pequeno e solitário missionário, enviado ao campo para passar fome. É “cada um por si” e nada mais. “Isso não é comigo”, pensam eles. Se o princípio de unidade e comunhão não tivesse sido quebrado, a igreja teria um poder social grandemente transformador. Quando o princípio de unidade e comunhão é quebrado, o princípio da paz, da harmonia e todos os outros pregados por Jesus no Sermão da Montanha (Mateus 5, 6 e 7) também são quebrados.
Se quisermos que a igreja siga pelo caminho da cooperação, então nós — junto com as medidas que contribuem para o florescimento material, social e espiritual da cooperação de todos os tipos — devemos usar amplamente todas as oportunidades disponíveis para a superação teológica da psicologia do pequeno missionário, carente e solitário. Se as denominações, de alguma forma, se unissem em prol dos fenômenos sociais, a realidade missionária seria um ponto forte na comunicação com o mundo. Os estudos teológicos devem ser alimentados, da primeira à última linha, pelo espírito coletivo do magistério da igreja.
É necessário educar, sistematicamente, os cristãos através dos livros. Maturar neles o hábito de ler e estudar para que possam se aprofundar nas questões de discipulado e conhecimento, do ponto de vista dos interesses globais e crescimento espiritual. Passar por cada uma das questões mais simples e mais complexas de tal forma que o cristão se habitue a olhar para si mesmo como parte do todo. Isto nós sempre fizemos muito mal. Precisamos aprender para crescer na fé e no conhecimento.
Ainda não se escreveu, do ponto de vista do cristianismo, sobre o fato de que a auto-organização dos cristãos dever ser de tal forma que os crentes aprendam a resolver as questões práticas da evangelização abordando-as do ponto de vista dos interesses de todo o grupo, de toda a comunidade social, de toda a igreja local. A auto-organização deve, assim, fornecer as habilidades para resolver juntos, pelo esforço de todos, os problemas colocados pela vida. Nada ainda foi dito sobre a importância da auto-organização ser estruturada de forma que todos os crentes, sem exceção, estejam envolvidos nela. Que cada um conduza um determinado trabalho social na igreja pelo qual seria responsável perante o coletivo.
Um erro grave nas denominações é o fato de os crentes ficarem limitados a ficar apenas na igreja, orando no espírito do coletivo, até que a auto-organização comunitária seja saturada com o espírito do coletivo, embora ambas as tarefas sejam extremamente importantes. “Para que todos sejam um”, orou Jesus ao Pai, falando sobre a unidade dos cristãos. Mas o que Ele temia aconteceu. Hoje, o cristianismo, sem conhecer Jesus, está totalmente denominacionalizado, quebrado e seus pedaços estão espalhados pelo mundo nas esquinas das cidades, vilas e povoados sem organização, e os crentes estão completamente entorpecidos por engôdos e doutrinas religiosas.
Mesmo assim, devemos ensinar os cristãos a abordar todos os fenômenos da vida social em Cristo Jesus, o Senhor, do ponto de vista do ativista social coletivo, em que se deve praticar um evangelismo envolvente e efetivamente solidário. Neste sentido, devemos, primeiramente, despertar nos cristãos em geral o interesse profundo pelos fenômenos da vida social para que eles, como igreja corpo de Cristo, possam alcançar o mundo que Deus amou (João 3.16) pregando e ensinando o Evangelho do Reino com poder e autoridade, conhecimento e sabedoria (Mateus 28.18-20; Marcos 16.15-18) na condição de cidadãos do mundo, enviados por Jesus. Essa é a tarefa principal da igreja.
Portanto, precisamos abrir os olhos dos crentes para aquilo que está ao seu redor. E não apenas abrir os olhos dos crentes. O método de alcance do mundo é amar o mundo (as pessoas) como Deus o amou. Esse método deve ser de tal maneira que transmita uma energia emotiva, por meio da completa intimidade com o Espírito Santo de Deus. Para isso, é importante que os cristãos comecem a notar a lama e as poças que existem no meio da sociedade-mundo (cosmos), mas que eles fiquem movimentados com o fato de que o mundo sem Deus precisa de Deus.
Uma igreja é viva (cristandade ativa) quando ela é capaz de educar os crentes de tal maneira que eles se importem com tudo o que é criatura, com todo tipo de gente, com tudo o que é povo. A igreja-religião (cristianismo, instituição e tradição: caminho largo e espaçoso) não se importa com nada. Para a igreja verdadeira (viva em Jesus, caminho estreito onde não cabe religiões) todo o projeto de alcançar o mundo (cosmos, pessoas) é de sua responsabilidade. Leia, aprenda com as Escrituras e pregue sobre isto, para o crescimento do Reino de Deus, em Cristo Jesus o Senhor.